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|[ Entrevista ]| A Orientação Profissional

 



Leia a entrevista de Kathia Maria Costa Neiva I a Isabella Bertelli II sobre a área de Orientação Profissional e de Carreira.



 

Isabella: O que a levou a trabalhar com orientação profissional? Pode contar um pouco do seu percurso na área?

Kathia: Iniciei o curso de Psicologia na UFBa e no quarto ano, por motivos pessoais, vim morar em SP, tranferindo meu curso para a PUC-SP. Cursei o núcleo de Orientação Vocacional no final do curso e foi este estágio que me introduziu na área, pela qual fui me apaixonando. Recém-formada fiz o curso de especialização em Orientação Vocacional no Sedes Sapientiae e logo em seguida, comecei a lecionar na PUC neste mesmo núcleo. Dois anos depois fui morar em Paris, onde cursei o mestrado e doutorado na Université Paris V, tendo como local principal de estudo o INETOP, Institut National d’Etudes du Travail et d’Orientation Professionnelle (Instituto Nacional de Estudos do Trabalho e de Orientação Profissional). O tema da minha tese foi a saída da Universidade e os projetos pós-universitários. Tive uma segunda vivência no exterior, morando cinco anos na cidade do México, onde lecionei na Universidad Iberoamericana e lá introduzi a área de OP . De regresso ao Brasil, retomei meu trabalho em consultório como psicóloga clínica e orientadora profissional e durante doze anos fui professora e coordenadora do curso de Psicologia na Universidade Ibirapuera. Atualmente atendo no consultório, ministro sistematicamente cursos de introdução à Orientação Profissional na Vetor Editora, faço parte da equipe de professores do curso de Formação de Orientadores Profissionais na Colméia e ofereço um curso de OP à distância, disponibilizado no meu site, que tem ajudado a formar profissionais de diferentes partes do país.

A área de Orientação Profissional e de Carreira sempre foi minha grande paixão e durante toda a minha trajetória profissional me dediquei a estudá-la e a contribuir para o seu avanço, fazendo pesquisas, produzindo livros ("Processos de Escolha e Orientação Profissional") , textos e materiais psicológicos ("Escala de Maturidade para a Escolha Profissional - EMEP" e "Jogo: Critérios para Escolhas profissionais") e participando de eventos científicos.

 

kathia neivaKathia Maria Costa NeivaNo início da orientação profissional, com o teórico Frank Parsons, havia uma busca pela equivalência entre a personalidade, identificada por meio de testes, e o posto de trabalho. Como hoje a OP entende a importância do uso de testes psicológicos? E quais são as ferramentas mais utilizadas atualmente?

Os testes psicológicos são recursos válidos na atuação do orientador profissional, podem ser incluídos no processo de Orientação Profissional, mas não são os únicos. Existem várias outras ferramentas que são muito úteis. A entrevista é fundamental, são muitas as técnicas e dinâmicas de grupo que podem ser utilizadas no processo de OP e hoje existem alguns jogos interessantes que ajudam bastante na construção do projeto profissional. No meu livro Processos de Escolha e Orientação Profissional atualizado em 2013, coloquei um capítulo no qual repertorio os instrumentos atualmente mais utilizados na realidade brasileira. Mas, é necessário primeiro termos claro os objetivos que pretendemos alcançar com a Orientação Profissional, para então escolhermos as ferramentas e instrumentos a serem utilizados.

Vale ressaltar também, que os testes psicológicos são de uso exclusivo de psicólogos e que outros profissionais, principalmente pedagogos, atuam na área de OP. Logo, existem várias outras ferramentas que podem ser utilizadas pelos orientadores profissionais não psicólogos.


Hoje, em um mundo VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo), quais são os objetivos da OP?

Temos que preparar o jovem ou o adulto para saber gerenciar sua carreira, fazer escolhas assertivas e aceitar a possibilidade de transições ao longo da trajetória profissional. O mundo profissional de hoje é instável, incerto; novas profissões e realidades profissionais estão surgindo a cada dia. Temos que preparar o jovem para enfrentar estas flutuações e estar aberto a mudanças e transições. Em função disso, é muito importante que ele tenha consciência de seus recursos internos (interesses, habilidades, competências, valores) para fazer o melhor uso destes ao tomar decisões profissionais. O autoconhecimento é fundamental. Além disso, é preciso treinar o processo de decisão, desenvolvendo habilidades cognitivas e atitudes. Os nossos jovens estão vivendo cada vez mais de forma protegida; a adolescência está se estendendo e com isso, ele está sendo menos preparado para a tomada de decisões e para assumir uma vida adulta. Mesmo tendo mais acesso às informações, por meio da internet, ele não sabe utilizá-las devidamente. Outra questão é ajudá-los a elaborar projetos, a pensar na carreira profissional como um todo, e não apenas na escolha pontual feita na adolescência. Hoje falamos na importância da Educação para a Carreira, e vários países já desenvolvem programas eficazes neste sentido, dentro do contexto escolar, que se estendem por várias séries escolares e envolvem várias instâncias: alunos, professores, orientadores profissionais, pais e comunidade. Em nosso país as ações ainda são poucas neste sentido, pois carecemos de políticas públicas que as regulamentem e incentivem. Mas, algumas escolas e universidades já estão começando a desenvolver programas mais amplos com tal finalidade.

 

Qual é a importância de se considerar a dinâmica familiar durante o trabalho de orientação?

Considerar a dinâmica familiar é fundamental. Os pais são figuras significativas de identificação e, portanto, influenciam a atração ou rejeição de profissões ou de formas de ser profissional. Além disso, contribuem para a configuração do sistema de valores, aspecto de grande importância no processo de construção do projeto profissional.

Com frequência, os pais revivem com os filhos seus próprios processos de escolha profissional, projetando neles seus desejos, medos, frustrações e conflitos não resolvidos. A escolha profissional pode ser fruto de um sintoma da psicodinâmica familiar. O jovem deve tomar consciência das possíveis influências familiares e fortalecer-se para lidar com elas.

Considero três modelos de família: a Pressionadora, que exerce uma forte influência e pressão com relação ao projeto profissional, tanto de forma explícita quanto sutil; a Ausente, que não se envolve nem ajuda, deixando o jovem, sob o discurso de ‘faça o que quiser’, sem a possibilidade de troca e discussão de suas angústias e reflexões; e a Facilitadora, que colabora com o jovem, discutindo a questão, dando escuta a suas dúvidas e inquietações e ajudando-o a compreender a realidade atual do mundo do trabalho.

 

Qual público é mais desafiador: jovens no início de carreira ou pessoas mais velhas buscando mudanças?

Todos os públicos são desafiadores. Trabalhar com os jovens nos permite ajudar a desenvolver um adulto mais consciente, mais maduro. Embora no trabalho de OP o foco seja o projeto profissional, este processo contribui para fortalecer as demais áreas da vida e consequentemente a pessoa como um todo.

isabella bertelliIsabella BertelliPor outro lado, o trabalho com pessoas mais velhas é muito desafiador no sentido de ajudar a reencontrar o prazer, a felicidade na vida profissional. Os adultos quando buscam Orientação de Carreira, em geral desenvolveram uma relação desprazeirosa com o trabalho. Resgatar este prazer e ajudá-lo a encontrar outras possibilidades é bastante desafiador. Muitas vezes é na aposentadoria que as pessoas se permitem este reencontro e é muito gratificante ver alguém aos 65 anos resgatar motivações e interesses que ficaram reprimidos e a partir daí elaborar novos projetos profissionais.

 

Em sua opinião, como um estudante pode se preparar para ser um bom orientador profissional?

Hoje são poucos os cursos de Psicologia que oferecem a disciplina e o estágio na área de OP e, quando oferecem, a aprendizagem não é suficiente para uma boa atuação na área. Além disso, com frequência vemos psicólogos que transpõem os conhecimentos aprendidos nas disciplinas de avaliação psicológica para a atuação em OP. Mas, a atuação na área de OP exige conhecimentos teóricos e técnicos específicos e é muito mais complexa do que a maioria imagina. Portanto, é imprescindível que o aluno busque um curso de especialização na área, participe de supervisões no início da sua carreira como orientador, para não só adquirir os conhecimentos necessários, mas também treinar devidamente sua prática.

 

 


 I Kathia Maria Costa Neiva é psicóloga (PUC-SP), especializada em Orientação Profissional pelo Instituto Sedes Sapientiae (SP), Doutora em Psicologia (Universidade Paris V – René Descartes), ampla experiência como professora universitária, coordenadora de curso de psicologia, psicóloga clínica e orientadora profissional e de carreira. Autora das seguintes obras publicadas pela Vetor Editora: Processos de Escolha e Orientação Profissional (2013, 2ª. ed.), Intervenção Psicossocial: Aspectos teóricos, técnicos e experiências práticas (2010) , Escala de Maturidade para a Escolha Profissional - EMEP (2014, 2ª. ed.) e Jogo – Critérios para Escolhas Profissionais (2015, 3ª ed. – no prelo). Atualmente atua em consultório particular, ministra cursos na Vetor Editora e faz parte da equipe de professores do curso de Formação em Orientação Profissional na Colméia (SP).

CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/7432418198969360  ||  Email: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.  ||  Homepage: www.kathianeiva.com.br  ||  Consultório: Av. Rouxinol , 1041 Cj 1601 – Moema – São Paulo - SP


II Isabella Bertelli é psicóloga e mestre em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente trabalha na área de treinamentos corporativos.