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Previsivelmente Irracional

Dan Ariely é professor do MIT, entre outras funções. Neste livro, da Editora Elsevier, de 2008, ele está interessado em nos mostrar alguns comportamentos comuns do nosso dia a dia, hábitos de alimentação, compras, amor e dinheiro, por exemplo, e seus processos decisórios, geralmente irracionais.

Relativamente nova, a disciplina que estuda estes fenômenos é a ‘Economia comportamental’, que se vale de aspectos tanto da psicologia quanto da economia para estudar certas reações humanas, não apenas fora da racionalidade que tanto prezamos, mas para mostrar justamente como somos ‘previsivelmente irracionais’.

O livro demonstra que somos muito menos racionais do que pretendemos e que os comportamentos irracionais não são aleatórios nem destituídos de sentido; pelo contrário, são sistemáticos e previsíveis, repetidos incessantemente.

Ariely nos lembra, na Introdução, que as experiências que ilustram o livro podem ser extrapoladas para outros contextos da vida; daí, ele nos convida, a cada capítulo, a fazer uma pausa para pensar em nosso próprio comportamento; irracional, é claro.

Você pode não ter percebido, mas o departamento de vendas sabe; eles colocam preços variados dos itens, antevendo o que a maioria vai escolher. Por exemplo, na vitrine, juntos três aparelhos:

“Panasonic 36 polegadas por $ 690,00

Toshiba 42 polegadas por $ 850,00

Philips 50 polegadas por $ 1480,00”.

O vendedor sabe que os humanos comparam e que a maioria vai escolher a oferta do meio; e aumenta o estoque de Toshibas. Ariely discute a importância da relatividade, da comparação em nosso sistema decisório: e isso vale para emoções, posturas e ponto de vista. Duvida? Leia o primeiro capítulo do livro.

O naturalista Lorenz, há décadas, descobriu que os gansinhos, quando saem do ovo, se apegam à primeira coisa em movimento que encontram, em geral a mãe. Os gansinhos também se apegam à decisão que foi tomada e Lorenz deu o nome de imprinting a esse fenômeno. Até aí sem novidades, mas Ariely afirma que fazemos igual, ou seja, nos apegamos às nossas decisões iniciais, mesmo que irracionais.

Copio um parágrafo da página 21: “Analisemos isto: se eu lhe pedisse os dois últimos dígitos do seu CFP (79, por exemplo), depois perguntasse se você pagaria esse número em dinheiro ($ 79,00 no caso) por determinada garrafa de Côte du Rhone 1998, a mera sugestão desse número influiria no quanto você estaria disposto a pagar pelo vinho? Parece absurdo, não é?”

No segundo capítulo, ele vai demonstrar, sempre a partir de experiências com alunos da Harvard, do MIT e de outras escolas conhecidas dos USA, que sim, você toma decisões importantes na sua vida, baseado simplesmente em âncoras, por mais absurdo e irracional que pareça. Carreira, cônjuge, roupas, serão mesmo decisões inteligentes, ou aleatórias, sem nosso controle, influenciados diretamente pelas primeiras impressões? Ainda duvida? Bem, o livro é para isso mesmo, para tirar ou criar dúvidas.

No terceiro capítulo ele mostra a importância do brinde, como o ‘grátis’ atrai consumidores, avaliando que a diferença entre o $ 2,00 e o $ 1,00 é pequena, mas a diferença entre o $ 1,00 e zero é enorme.

Em seguida, Ariely vai refletir sobre o custo de algumas normas sociais, salientando que há grande diferença entre o mundo das trocas amistosas e o mundo das normas de mercado. Quanto custa ajudar seu vizinho a empurrar o sofá da sala? Ou quanto custa um jantar de Natal na casa da sogra? Bem diferente do que pensar no preço de um bem de consumo, né! O trabalho voluntário entra em discussão, pois muitos de nós estamos dispostos a trabalhar de graça, mas nos sentimos desvalorizados quando recebemos uma baixa remuneração pelo nosso trabalho. Aprofundar esta questão traz exemplos e casos interessantes que nos colocam a pensar na vida; algo frequente na leitura do livro.

Em seguida, o autor tece reflexões sobre o quão pouco percebemos que nossas decisões sofrem a influência do estado emocional. Experiências com os participantes sentindo fome, raiva, frustração, são comuns no mundo dos psicólogos comportamentais. Ariely escolhe a excitação sexual como exemplo, para lembrar o quanto estamos indefesos em momentos de estado passional, por exemplo, ao dirigir carro embriagados, ao fazer sexo (in)seguro ou decidir questões importantes da nossa vida. É séria a coisa!

Poupar menos dinheiro do que deveríamos, ter menos cuidado preventivo com a saúde do que gostaríamos, é objeto de reflexão, assim como pensar nos porquês de, em geral, supervalorizarmos o que temos, como por exemplo, valorizar aquela nossa velha Kombi na hora de vendê-la. Ariely cita três idiossincrasias irracionais da natureza humana para explicar o fenômeno: tendemos a nos apaixonar pelo que já temos, nos concentramos no que podemos perder e não naquilo que podemos ganhar (nossa aversão à perda é uma emoção forte) e a terceira é presumir que os outros vão encarar a transação da mesma perspectiva que nós. A conferir.

O livro continua caminhando pelas questões do nosso cotidiano que estão além do nosso controle racional, mas presentes toda hora, como acreditar que em um ambiente chique o café também terá um sabor chique. Ele aponta para não subestimarmos o poder da apresentação, a culinária gourmet que o diga; a famosa experiência da comparação de sabor entre a Coca-cola e a Pepsi aparece de novo como exemplo. Os estereótipos são debatidos, inclusive os de raça, sexo, idade e nos esportes. Por mais absurdo que ainda pareça, a gente ainda se conforma em pagar mais pela consulta quando o consultório do profissional é grande e finamente decorado.

Você faria uma operação em pacientes, apenas abrindo a barriga deles e nada mais, só para provar que o efeito de determinada cirurgia seria unicamente devido ao efeito placebo? Pois bem, em 1955 isso foi feito, e outros exemplos semelhantes nos são oferecidos para nos mostrar o poder de nossa mente, o poder do nosso velho, conhecido e pouco levado a sério ‘placebão’. O condicionamento, a autossugestão, nossas crenças, são mais poderosas do que em geral nos atinamos em nosso cotidiano. O remédio mais caro é melhor? A experiência mostra que sim; leia e verifique.

Ariely afirma categoricamente que somos desonestos. Você aí também, cara pálida, está incluído. A cada ano, segundo o livro, U$ 600,00 bilhões são roubados por empregados em fraudes no local de trabalho; e isso é muito mais do que os criminosos profissionais dos USA poderiam roubar durante todas as suas vidas. Nos USA, a perda entre o que o governo acha que a população deveria pagar de impostos e o que paga de fato chega a U$ 350,00 bilhões por ano.

Nos Estados Unidos é possível devolver bens que você não gostou. O varejo americano perde U$ 16,00 bilhões por ano com clientes que compram roupas, usam-nas com a etiqueta escondida e as devolvem para receber o reembolso total. Imagine isso no Brasil?

Em todo caso, a maioria das pessoas se considera honesta e critica o outro por corrupção. Ele chega à frase de que somos desonestos apenas até o ponto em que nos convém, aí incluído o desejo de agradar os outros. Pesquisas sobre honestidade com alunos da Harvard University mostram que nós nos preocupamos com honestidade quando contemplamos grandes transgressões, como pegar uma caixa inteira de canetas da sala de reuniões; para as pequenas, como pegar uma caneta, nem mesmo levamos em conta o quanto esses atos se refletiriam em nossa honestidade, e então nosso superego fica adormecido. O problema está em quanto é grande ou pequeno: para um empresário, um alto executivo, funcionário público ou político acostumados a lidar com bilhões e bilhões, apoderar-se de alguns milhões pode ser pouco, ou seja, desconsiderado como desonesto.

Colar em uma prova é sinal de desonestidade? Não dar recibo pela consulta é sinal de desonestidade? Ou são apenas pequenos pecadinhos?

A possibilidade de ser flagrado influencia a desonestidade? A simples lembrança de juramentos éticos afeta a desonestidade? Todos trapaceiam, dada a oportunidade? Qual a diferença entre roubar um prato de comida de uma pessoa faminta e matar de fome ou infarto pessoas por conta de fraudes em letrinhas de contratos entre empresas e pessoas? Poucos roubariam o prato, mas muitos se consideram espertos ao formular contratos, engenhosamente desonestos. Como nossa consciência adormece? Bem, divirta-se ao ler sobre estes quesitos.

Ao longo do livro, ele se preocupa em tentar alertar para algumas possibilidades de prestarmos atenção ao nosso lado irracional, tanto para melhorarmos como seres humanos como para sermos menos surpreendidos por este irracional tão poderoso e presente em nossas vidas. A conferir.

Vale lembrar que, em geral, pouco percebemos a presença do tradutor nos livros que lemos. Neste caso específico, a tradutora Jussara Simões conseguiu passar a leveza despretensiosa do autor ao longo da suave e divertida leitura dos capítulos.

Boa leitura.

 


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Mauro Hegenberg é médico pela FM-USP e doutor em psicologia pelo IP-USP. Especialista em psicoterapia breve pela Universidade de Lausanne. Coordenador do Curso de Psicoterapia Breve do Instituto Sedes Sapientiae. Autor dos livros "Borderline" e "Psicoterapia breve" (Casa do Psicólogo).
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