Marcelo Gustavo Aguilar Calegare
Graduado em Psicologia pela Universidade de São Paulo (2002), mestre (2005) e doutor (2010) em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
Revista Transformações (Volume 3/2 - 2010)
O objetivo deste artigo é dar subsídios aos estudantes de graduação e pós-graduação a respeito das distintas abordagens em Psicologia Social e apontar algumas críticas ao seu ensino. Para tanto, localizaremos a disciplina dentro do contexto do destacamento das ciências sociais das naturais no fim do século XIX. Em seguida, faremos uma didática apresentação das abordagens mais salientes na disciplina, mostrando quando surgiram e país de origem, a “crise” na Psicologia Social nos anos 1960, para então dissertar a respeito das linhas mais contemporâneas, incluindo aquelas utilizadas na América Latina e Brasil. Por fim, concluímos apontando alguns questionamentos do ensino da disciplina dentro dos cursos de Psicologia no Brasil.
O ensino de Psicologia Social, nos cursos de graduação em Psicologia de todo país, nem sempre segue uma mesma diretriz. Ao compartilharmos opiniões com estudantes de diferentes universidades, seja em eventos científicos ou de cunho político, deparamo-nos com um mosaico de teorias e de práticas inspiradas na Psicologia Social. Muitas vezes, encontrar pontos em comum entre as distintas abordagens torna-se um trabalho intelectual árduo, digno de fervorosas horas de discussões político-acadêmicas – regado pelo mais alto grau de comprometimento afetivo com a transformação social em nossa pátria.
Ávidos por transformar a realidade, muitos estudantes esperam de seus mestres uma atitude crítica em relação à sociedade. Querem mudá-la para melhor, trazendo o bem-estar, igualdade e justiça social em diferentes níveis: individual, familiar, grupal, comunitário, institucional e até mesmo nacional ou internacional.
O aspecto comum a essas calorosas discussões estudantis parece ser o cunho prioritariamente social da futura prática profissional, mais do que um ponto de vista teórico específico. Em outras palavras, o desejo de atuação com compromisso social leva à busca de teorias e métodos de intervenção social, muitas vezes esperados no ensino de disciplinas de Psicologia Social. Destrinchando essa inquietação dos estudantes, percebemos que o “social” da Psicologia é o que parece definir a Psicologia Social, e não o status como disciplina científica e como campo profissional desta última.
Diante desse panorama, encontramos um lapso na formação em Psicologia Social dentro dos cursos de graduação em Psicologia no Brasil. Como argumenta Stralen (2005), a maioria dos cursos de Psicologia está marcada por uma estrutura curricular tradicional, em que a “Psicologia Social aparece apenas como uma disciplina básica que permite compreender os aspectos sociais do comportamento psicológico” (p. 94). Isso significa que o lapso contido na formação é o de que se ensina Psicologia Social como uma abordagem em Psicologia, ao invés de considerá-las como disciplinas que possuem interfaces entre si.
Como explicam Ávaro e Garrido (2006, p. 06), tende-se a confundir abordagens sociais em Psicologia com a disciplina científica Psicologia Social pela sua própria rotulação. Stralen (2005, p. 94) complementa que, no Brasil, tal confusão ocorre também: a) pela formação de psicólogos sociais dar-se em cursos de graduação em Psicologia; b) pela diminuição cada vez maior do número de disciplinas de Psicologia Social em cursos de ciências humanas e ciências sociais aplicadas; c) pela ação do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que regulamenta supervisão de estágio supervisionada por psicólogos inscritos nos Conselhos de Psicologia, o que dificulta a contratação universitária de psicólogos sociais não graduados como psicólogos.
Segundo defendemos neste artigo, compartilhamos com as posturas teóricas de Ávaro e Garrido (2006), Corga (1998), Farr (1998), Mailhiot (1976) e Stralen (2005) de que a Psicologia Social é uma disciplina diferente da Psicologia, apesar das estreitas ligações que resguarda com esta, como veremos mais adiante. Ao longo do texto traremos argumentos que reforçam este nosso ponto de vista, parcial e refutável como qualquer outro viés científico.
Nos EUA, é possível graduar-se em Sociologia com ênfase em Psicologia Social, ou graduar-se em Psicologia com ênfase em Psicologia Social, dependendo da universidade cursada. Na Argentina, existem cursos superiores específicos de Psicologia Social. Também há casos de graduação específica em Psicologia Social em países europeus. Por que, então, no Brasil ensina-se Psicologia Social como uma das vertentes em Psicologia? Essa é uma pergunta que remete à criação dos cursos de Psicologia no Brasil e à regulamentação da profissão de psicólogo, como lembra Krüger (1986), mas que ainda merece maior aprofundamento por parte dos pesquisadores. Por outro lado, remete-nos também a outro debate de cunho teórico: examinarmos quais foram as distintas influências das diferentes abordagens da Psicologia, ainda em emergência, decisivas na constituição dos também distintos vieses teóricos da Psicologia Social, com lembra Rey (2004).
Segundo escrevem Stralen (2005, p. 93) e Álvaro e Garrido (2006), a Psicologia Social é uma disciplina que se constitui no espaço de interseção entre a Psicologia e Sociologia. Rose (2008) e Mailhiot (1976) entendem que a Psicologia Social pode ser considerada uma disciplina de ciências sociais. Por outro lado, Krüger (1986, p. 08) argumenta que situá-la entre as ciências humanas e sociais esbarra na dificuldade de estabelecerem-se limites rigorosos entre tais ciências. Nessa linha, Rodrigues (1978) expõe aspectos comuns entre a Psicologia Social e a Sociologia, Antropologia Cultural, Filosofia Social e outros setores da Psicologia, descrevendo que cada disciplina possui objeto formal distinto de estudo, que delimita o campo de cada uma delas, mas que por se tratar de áreas afins, possuem interseção bastante nítida em seu objeto material. Um exemplo dado por Rodrigues é o da delinquência juvenil: este objeto material pode ser estudado segundo distintas abordagens disciplinares, variando a ênfase, a unidade de análise e os métodos empregados, mas “a diferença é, para todos os efeitos práticos, inexistente” (Rodrigues, 1978, p. 09-10).
Essa dificuldade de inscrição da Psicologia Social dentro das ciências humanas e/ou sociais se dá, em grande parte, por conta do momento em que surgiram não apenas ela, mas também a Psicologia, Sociologia e Antropologia. Trata-se do contexto do destacamento das ciências sociais das ciências naturais no final do século XIX, em que antigos temas de especulação passaram a ser estudados segundo o paradigma científico moderno: teoria, levantamento de hipóteses, teste empírico das hipóteses levantadas, análise dos dados colhidos, confirmação ou rejeição das hipóteses, generalização. Por outro lado, nos primórdios da Psicologia Social moderna, nos Estados Unidos do final do século XIX e começo do século XX, os primeiros pesquisadores dessa área encontraram respaldo em centros tanto de Psicologia quanto de Sociologia (Farr, 1998). Isso resultou em origens plurais da disciplina, em disputas pelo seu status como ciência social ou ciência humana e até mesmo em sua negação como área de investigação autônoma.
Diante de tais questões, este artigo visa localizar a emergência da Psicologia Social em suas diferentes abordagens, contextualizando-a dentro dos paradigmas das ciências sociais e sua posterior evolução, com o objetivo de dar subsídios aos estudantes de graduação e pós-graduação a respeito das distintas vertentes que a disciplina oferece atualmente. Para tanto, faremos uma breve recapitulação do destacamento das ciências sociais das naturais no final do século XIX, localizando a Psicologia Social dentro desse cenário. Em seguida, faremos uma didática apresentação das vertentes mais proeminentes na disciplina, mostrando período e país de origem, e abordaremos a “crise” na Psicologia Social nos anos 1960. Então dissertaremos a respeito das linhas contemporâneas – incluindo aquelas utilizadas na América Latina e Brasil, dando maior destaque à Psicologia Social comunitária. Por fim, concluímos apontando alguns questionamentos do ensino da disciplina dentro dos cursos de Psicologia.
2. Ciências naturais, ciências sociais e a Psicologia Social
A ciência moderna surge a partir do século XVII, embora seu embrião encontre-se no século precedente (Ludwing, 2009). De modo geral, o pensamento moderno plasmou-se como consequência do declínio da cultura medieval e consolidou-se pela necessidade de separação entre teologia, filosofia e as nascentes áreas da ciência. Reforçado pelo Iluminismo e pela Revolução Francesa, um de seus aspectos centrais era o destaque concedido à razão como instrumento de obtenção do saber e, para tal, se aceitava “somente as verdades resultantes da investigação da razão através de procedimentos demonstrativos” (Ludwing, 2009, p.14). Nesse ponto é que o método científico ganha centralidade na produção do conhecimento. Sua construção ocorreu, primeiramente, na área das ciências da natureza e teve em Galileu Galilei (1564-1642) e Francis Bacon (1561-1626) os fundadores do método experimental: observação de fatos, proposição de hipótese e verificação por meio de experiências controladas. O reforço desse tipo de método veio no século XIX, com a emergência do Positivismo, com seu rigor e acento na universalidade e objetividade científica.
Graças ao método experimental, as ciências naturais puderam evoluir de maneira consistente, consolidando disciplinas como a Química, Física e Biologia. Vale lembrar: como campo de estudos e especulação, os temas envolvendo essas disciplinas modernas são antigos, mas a maneira como se constituíram nesse novo contexto está marcada pelos modelos da ciência moderna. As ciências sociais passaram a se desenvolver graças a métodos próprios, a partir do final do séc. XIX, apesar de haverem iniciado usando os métodos das ciências naturais. Dentre os novos métodos, Ludwing (2009, p.17-20) enuncia: dialético, fenomenológico, estrutural e funcionalista. Lembramos que, para o autor, as ciências sociais e humanas são colocadas juntas na diferenciação das ciências naturais.
Álvaro e Garrido (2006) localizam a Psicologia Social nesse contexto mais amplo da diferenciação das ciências sociais. E relembram dois aspectos importantes, que destacamos no trecho abaixo:
Desde seu surgimento, no pensamento social europeu do século XIX, a Psicologia Social se definia como uma disciplina plural. A pluralidade, tanto de enfoques teóricos como de objetos de estudo, continuou caracterizando a Psicologia Social à medida que ocorria sua diferenciação e sua consolidação definitiva como disciplina científica independente, o que aconteceu simultaneamente na Psicologia e na Sociologia (Álvaro & Garrido, 2006, p. 40).
O primeiro destaque refere-se ao fato de que a diversidade nas formas de entender os fenômenos psicossociais foi fundante de cada uma dessas três disciplinas, marcando campos de estudo, métodos, profissão e nicho de atuação. Portanto, a delimitação disciplinar ocorreu tanto como tentativa de demarcação dos domínios para cada tipo de cientista, quanto pela necessária fragmentação, à mentalidade da época, para desenvolvimento de campos do saber. Em nosso ponto de vista, o que marcou as distinções disciplinares estava mais ligado aos cientistas do que à ciência em si, pois as barreiras entre Psicologia, Sociologia e Psicologia Social eram tênues e havia muitas intersecções entre elas.
O segundo destaque é o da pluralidade na constituição da Psicologia Social, o que significa origens múltiplas, e não apenas pela obra de um ou outro autor. Para Rodrigues (1978, p. 39), os manuais de Psicologia Social diferem consideravelmente a respeito das origens modernas dessa disciplina. Segundo Krüger (1986, p. 10), “o início das especulações, interpretações e doutrinas a respeito do Homem e do seu comportamento social remonte a filósofos das civilizações clássicas, helênicas e romana, que alimentam as raízes da cultura ocidental até hoje”. Nesse sentido, o autor menciona que se encontra já em Platão (428-347 a. C.) e Aristóteles (384-322 a. C.) as bases filosóficas que constituem a pré-história da Psicologia Social. Para Mailhiot (1976, p. 17-18), encontramos os primórdios da Psicologia Social nas obras de Auguste Comte (1793-1857).
No entanto, se levarmos em consideração a Psicologia Social do ponto de vista da implementação de métodos, técnicas de pesquisa e construção conceitual (Krüger, 1986, p. 11), remontaremos às obras publicadas por Small e Vincent em 1894 (num manual de sociologia), Gustave Le Bon em 1895, Gabriel Trade em 1898, o início do curso de Psicologia Social ministrado por George H. Mead em 1900, a obra de Charles Ellwood em 1901 e, por fim, Felix Le Dantec em 1911. No entanto, como lembram Álvaro e Garrido (2006, p. 40), credita-se o início da Psicologia Social como ciência independente com as obras de William McDougall e de Edward A. Ross, ambas em 1908 e contendo no título “Psicologia Social”.
Para Farr (1998), as raízes da Psicologia Social moderna são encontradas nas obras desses e outros autores, na interface com a Psicologia e a Sociologia – o que resultou em enfoques de Psicologia Social psicológica e de Psicologia Social sociológica. Colocado por outro ângulo, a pluralidade da Psicologia Social esteve estreitamente ligada à utilização de métodos de investigação. Do lado da Psicologia Social psicológica, predominou a experimentação em laboratório e a compreensão de ciência segundo objetivismo e universalidade, inerentes à visão positivista. Do lado da Psicologia Social sociológica, a busca por novas metodologias resultou no desenvolvimento de pesquisas aplicadas e métodos qualitativos, não obstante estes tenham coexistido com estudos de caráter quantitativo.
Isso significa que o desenvolvimento das vertentes em Psicologia Social também ocorreu sob o crivo das discussões a respeito da objetividade/subjetividade, pesquisa quantitativa/qualitativa, experimentalismo/pesquisa aplicada, inerentes aos debates que permeavam o destacamento das ciências sociais das naturais. As respostas a essas questões vieram marcar as diferenças nos fundamentos epistemológicos e estatuto ontológico de cada uma das linhas teóricas da disciplina – e ainda causa inquietação e dissenso entre profissionais, docentes e estudantes nos trabalhos de investigação e intervenção.
Para Corga (1998), a Psicologia Social é uma disciplina que tenta entender o Homem em seu contexto social, mas entre suas diferentes abordagens parece ter em acordo apenas o nome. Sua pluralidade (que gera tensões e divisões) deve ser observada segundo dois tipos de diversidade:
1) Diversidade Gestáltica. A diversidade vista a partir da totalidade da Psicologia Social enquanto disciplina, cujas tensões de divisão aparecem: pelos estudos centrados nas inter-relações sociais a partir do ponto de vista do indivíduo; e por aqueles centrados nos aspectos sociológicos das relações sociais entre indivíduos.
2) Diversidade Analítica. Fruto desta primeira, a diversidade tratada analiticamente, em seus fundamentos científicos, com delimitações de: objeto de estudo, método, conceitos, teorias, etc.
Em suma, podemos perceber que a pluralidade na Psicologia Social deve-se tanto à ênfase em pontos de vista focados seja nos indivíduos ou nos aspectos mais sociológicos das relações, quanto nos fundamentos científicos que configuraram cada abordagem. Quais as linhas teóricas decorrentes desses momentos iniciais e os seguintes desdobramentos, especialmente na América Latina, isso é o que veremos a seguir.
3. As principais “tradições” da Psicologia Social
A partir dessa diversidade na disciplina, Corga (1998) circunscreve agrupamentos segundo quatro principais "tradições" da Psicologia Social, que a autora compreende
como um conjunto dos fundamentos, convicções e expressões que compõe e dinamiza uma cultura. Esse conjunto é reconhecido por uma comunidade, tal qual suas marcas, como as características pertencentes a este grupo, e que, portanto, o diferencia dos demais (Corga, 1998, p. 70).
A autora complementa que é por meio de congressos, sociedades científicas, revistas, centros de pós-graduação e handbooks que tais tradições são cultivadas. Em outras palavras, pela maneira como os paradigmas científicos são compartilhados, que Kuhn (2006) entende como “o conjunto de regras, padrões, modelos e valores compartilhados por um determinado grupo de praticantes da ciência que legitimam um campo de pesquisa” (p. 30). Como já afirmamos anteriormente, é pelo trabalho dos cientistas que os paradigmas científicos são validados – e não pela ciência em si, como algo independente das pessoas que a praticam.
Para Corga (1998, p.75-183), existem quatro principais “tradições” em Psicologia Social, que se sobressaíram não apenas nas origens da disciplina, mas que até hoje têm fortes influências tanto no ensino quanto nas pesquisas. São elas:
A) a tradição sociológica americana do interacionismo simbólico, iniciada por George Herbert Mead (1934/1962) nos EUA, entre 1900 e 1931, e desenvolvido por seus discípulos, entre eles, Blumer (1969), que alcunha o termo “interacionismo simbólico”. Posteriormente, dentro desta tradição, Sarbin (1968) desenvolve a teoria do papel e Stryker a teoria da identidade (Styker & Burke, 2000). As teorizações de Mead continuam influenciando teóricos contemporâneos, como por exemplo Habermas (1990), que afirma que “a única tentativa promissora de apreender conceitualmente o conteúdo pleno do significado da individualização social encontra-se na Psicologia Social de G. H. Mead” (p. 185).
B) a tradição do experimentalismo psicológico (Psicologia Social experimental), ocorrida nos EUA também no início do século XX, com seu desenvolvimento e transformações por meio das influências do Behaviorismo (Allport, 1924), Neobehaviorismo (Hull, 1952; Skinner, 1938), Gestalt (Lewin, 1951, 19701; Asch, 1952/1977), e Psicologia Cognitiva. A Psicologia Social ganhou visibilidade principalmente pelos autores provenientes desta tradição. Farr (1998) aponta Asch como um dos precursores da Psicologia Social cognitiva, nos EUA. No entanto, por ter boa parte de suas idéias inspiradas na Gestalt, Corga (1998) o localiza ainda sob as influências desta última, e não da Psicologia Cognitiva.
C) a tradição dos “estudos de grupos sociais”. Corga localiza vários autores que contribuem para a edificação desta tradição, nos primeiros anos de produção acadêmica norte-americana: 1) os estudos de Mayo (1933/1945), com pequenos grupos de trabalhadores da Western Electric Company em Hawthorne, Chicago, entre 1924 e 1932; 2) os estudos sociológicos da Escola de Sociologia de Chicago, nos anos 1930, em ambientes naturais; 3) alguns trabalhos de F. H. Allport, sobre “facilitação social” e “conformismo”; 4) as inovações de J. L. Moreno no trabalho de psicoterapia de grupo; 5) as contribuições de Sherif (1948, 1962), que em 1936 publica “A psicologia das normas sociais”, na qual aponta como os sujeitos se aproximam no grupo para criar normas para situações ainda não estruturadas. Posteriormente, na década de 1960, com o prosseguimento das pesquisas, elabora um modelo explicativo das relações intergrupais para a questão do conflito e cooperação intergrupo. 6) as contribuições de Lewin, que mesmo considerado como consolidador da Psicologia Social experimental, tem em sua obra importante marco para as pesquisas nesta “tradição”. Além do Centro de Pesquisas em Dinâmica de Grupo, Lewin também funda um outro centro, nomeado “comissão para inter-relações comunitárias”, no qual guiou estudos sobre as raízes do anti-semitismo, práticas de socialização para a conscientização coletiva da discriminação social e sobre o preconceito de forma global. 7) os trabalhos de Festinger (1957/1975, 1974; Festinger et al., 1950/1963), com sua teoria de “comparação social” e “dissonância cognitiva”; a “teoria do intercâmbio social”, de Thibaut e Kelley (1959/1967); as pesquisas sobre a “Personalidade Autoritária”, de Adorno et al. (1950/1965); os trabalhos do sociólogo Homans (1951), com a teoria do intercâmbio e a proposta de uma análise sociológica alternativa ao funcionalismo; e as contribuições de Asch nas investigações sobre as minorias.
Os estudos a respeito de grupos sociais diminuíram consideravelmente nos anos 1960, nos EUA, devido aos contextos sócio-político-econômicos. Entretanto, o interesse dos psicólogos sociais a respeito de processos grupais e intergrupais é retomado no final dos anos 1970 (Corga, 1998). Desta vez, com força na Europa, perdurando e tendo produção expressiva até hoje. Algumas escolas (grupos universitários) representam tal “tradição”, como a Escola de Bristol, com estudos da compreensão das relações intergrupais, seus conflitos e discriminações, por meio de conceitos como identidade social, categorização social e comparação social. As figuras proeminentes são seu precursor Tajfel (1972, 1978, 1981) e seu discípulo Turner (1987), este último com a teoria da auto-categorização, entre outros autores. Além da Escola de Bristol, existe também a Escola de Genebra e outros grupos de pesquisadores ingleses, americanos, canadenses e alemães, todos dedicando-se ao estudos de grupos sociais.
D) a tradição sociológica européia das representações sociais, iniciada por Serge Moscovici (1978), a partir dos anos 1960 na França, com a publicação do livro “A representação social da psicanálise”. Moscovici se inspira na obra de Émile Durkheim (com seus conceitos de representação individual e coletiva), que critica duramente a Psicologia, mas que acrescenta:
não temos nenhuma objeção a que se caracterize a Sociologia como um tipo de Psicologia, desde que tenhamos o cuidado de acrescentar que a Psicologia Social tem suas próprias leis, que não são as mesmas da Psicologia individual (Durkheim, 1898 citado por Farr, 1998, p. 152-3).
Nessa esteira é que Moscovici vai constituindo sua obra, diferenciando-se de Durkheim, na qual pretende analisar os processos através dos quais os indivíduos e os grupos em interação constroem uma “teoria” sobre um objeto social, a qual norteará e orientará seus comportamentos, tomando como ponto de partida as representações sociais da Psicanálise na França (Corga, 1998, p. 95). Álvaro e Garrido (2006) localizam as contribuições de Moscovici dentro do contexto da Psicologia, por se tratar de um psicólogo, não obstante tenha se inspirado em idéias de Durkheim. As teorizações de Moscovici possuem discordâncias da Psicologia Social cognitiva tradicional, com o enfoque individualista para leituras dos processos cognitivos e, por isso, Corga (1998) o insere dentro da tradição sociológica de Psicologia Social.
Como se nota, há “tradições” em Psicologia Social no contexto da Sociologia e aquelas no contexto da Psicologia, como preferem descrever Álvaro & Garrido (2006), com teóricos que se influenciam mutuamente e que são, prioritariamente, de origens européia e norte-americana. As “tradições” no contexto da Sociologia seguiram mais inovações metodológicas das abordagens qualitativas, enquanto aquelas no contexto da Psicologia desenvolveram-se mais segundo metodologias quantitativas.
A importância dos norte-americanos para a Psicologia Social vai além do desenvolvimento teórico-metodológico de teorias que tentassem explicar os fenômenos psicossociais (com as ressalvas das diferenças já explicitadas). Para Farr (1998, p. 28-31), após a Segunda Guerra, muitos psicólogos sociais norte-americanos, entre eles Cartwright e Festinger (discípulos de Lewin), ajudaram os europeus com suas pesquisas até então isoladas, no apoio logístico necessário para a constituição de sociedades científicas. Entre elas, a Associação Européia de Psicólogos Sociais Experimentais, que fora liderada por personalidades proeminentes como Tajfel e Moscovici. Segundo Farr (1998), Cartwright chega a influenciar até mesmo no apoio ao estabelecimento da Psicologia Social no Japão.
Por outro lado, Lane (1981, p. 76-7) descreve que a produção da Psicologia Social (prioritariamente experimental, norte-americana e de viés pragmático), desde seu florescimento até os anos 1960, tinha seu foco de pesquisas centrado nos estudos dos fenômenos de liderança, opinião pública, propaganda, preconceito, mudanças de atitudes, comunicação, relações raciais, conflitos de valores, relações grupais, etc. Em suma, todos estudos e experimentos que procuravam procedimentos e técnicas de intervenção nas relações sociais, que se traduziam em fórmulas de ajustamento e adequação de comportamentos individuais ao contexto social. A crítica a esse tipo de produção foi um dos motivos da chamada “crise” da Psicologia Social, que teve repercussão direta nas produções latino-americanas, como veremos a seguir.
4. A “crise” da Psicologia Social: abordagens latino-americanas
No final da década de 1960, críticas vindas principalmente da Europa começam a colocar a Psicologia Social tal como praticada em solo norte-americano em xeque. No mesmo período, um movimento de autocrítica também chega aos psicólogos sociais norte-americanos e aos seguidores latino-americanos, que se inspiravam nessas teorizações. Este momento foi denominado de “crise da Psicologia Social”. Os questionamentos vieram de vários lados e os artigos e livros produzidos nessa linha
refletiam criticamente a Psicologia Social, como os de Bruno, Poitou, Pêcheux e outros publicados na Nouvelle Critique sob o título “Psicologia Social: uma utopia em crise”, assim como o prefácio de Moscovici numa obra organizada por ele com o título Introduction de la psychologie sociale. Por outro lado, Merani na Venezuela, Sève na França, Israel e Tajfel na Inglaterra contribuíram para uma reflexão mais profunda, assim como a releitura de Politzer, George Mead e Vigotski trouxeram novas perspectivas de estudo (Lane, 2006, p. 68-9).
Corga (1998, p. 152-154) aponta que tais críticas tinham como foco principal o questionamento do laboratório como ambiente de produção científica, complementando que passou-se a problematizar os avanços dos experimentos em laboratório em detrimento da relevância do que se estava produzindo para o enfrentamento de problemas sociais. Lane (1981, p. 78-80; 2006, p.67-8) descreve que as críticas dirigiam-se principalmente ao caráter ideológico e mantenedor das relações sociais das teorias e técnicas que vinham sendo produzidas e que, na América Latina, mais um fator veio contribuir para reforçar os questionamentos sobre teorias e metodologias: o caráter político da Psicologia Social e da atuação dos psicólogos diante das ditaduras militares.
Esse movimento de crítica atinge diretamente a (re)produção latino-americana. Em 1973, no XIV Congresso da Sociedade Interamericana de Psicologia (SIP), realizado em São Paulo, questionou-se a produção da Psicologia (como ciência) ter leis universais para o comportamento humano, uma vez que este muda em função das diferenças históricas, culturais e sociais de cada momento (Maluf, 2004). No congresso de 1976 (Miami, EUA), foram explicitadas as críticas aos modelos teórico-metodológicos, mas sem propostas de superação. No congresso seguinte, em 1979 (Lima, Peru), psicólogos dos diferentes países latino-americanos passam a reconhecer que suas produções deveriam estar voltadas para as condições próprias de cada um de seus países. O encontro de brasileiros nesse congresso gerou a força necessária à criação da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), segundo Lane (1981). O impulso definitivo da criação da ABRAPSO veio em Novembro de 1979, por meio do I Encontro de Psicologia Social, sediado em São Paulo, com o tema “Psicologia Social e Problemas Urbanos”, e sua fundação oficial veio em Julho de 1980, no Rio de Janeiro, durante a 32ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) (Abrapso, 2009).
Nesse contexto de questionamento teórico, metodológico e político, nasce a Psicologia Social comunitária, ou simplesmente Psicologia Comunitária. Segundo Andery (1984, p. 204), o termo aparece primeiro na Inglaterra e depois nos EUA, enquanto Psicologia “na” comunidade. Entretanto, Montero (2004a) precisa que a origem dessa vertente prático-teórica ocorreu tanto na América Latina quanto nos EUA, como tentativas de re-direcionamentos da Psicologia Social para o enfrentamento de sua “crise”.
Aprofundando-nos neste ponto, Montero(2004a) argumenta que entre os anos 1960 e 1970, a emergência da Psicologia Social comunitária ocorreu: a) a partir das discordâncias da Psicologia Social psicológica norte-americana e o caráter estritamente subjetivista e experimental com que vinha sendo produzida até então. b) Pelo impulso de outras disciplinas das ciências sociais que tinham leituras macro-sociais voltadas à comunidade.
Fato importante a ser mencionado, tal vertente da Psicologia Social surge, na América Latina, em um contexto em que as desigualdades sociais e o momento político explicitavam uma urgência de trabalhos críticos voltados para a realidade de seus povos. Segundo Montero (2004b, p. 42-49), a Psicologia Social comunitária nasce de uma prática emergente e transformadora de psicólogos sociais colocados diante de situações concretas, apelando para uma pluralidade de fontes teóricas e revisões críticas das mesmas, que os conduziram à elaboração de um modelo teórico próprio às realidades latino-americanas. A autora expõe que o desenvolvimento dessa vertente na América Latina ocorreu por meio de primeiras influências, influências mais centrais e por relações interinfluentes, entre três correntes: a Psicologia Social comunitária, ela mesma; a Psicologia da Libertação (Martín-Baró, 1998); e a Psicologia Social crítica (Lima, 2010).
Diante desse campo emergente, Freitas (1999, p. 50) agrega que o tipo de práxis da Psicologia Social comunitária vem se desenvolvendo por duas preocupações básicas: a) a construção do conhecimento, que configura esse campo. b) Aquela comprometida explicitamente com a transformação da realidade. Nessa linha, Montero (2004a, p. 53) argumenta que os modelos construídos dentro dessa abordagem são tratados em seis frentes: prático-teórico, ontológico, epistemológico, metodológico, ético e político.
Em linhas gerais, pode-se afirmar que a Psicologia Social comunitária é um ramo da Psicologia Social que aborda as comunidades e que é realizada com as mesmas. Ou, nas palavras de Montero (2004a),
o ramo da psicologia [social] cujo objeto é o estudo dos fatores psicossociais que permitem desenvolver, fomentar e manter o controle e poder que os indivíduos podem exercer sobre seu ambiente individual e social para solucionar problemas que os afetam e lograr mudanças nesses ambientes e na estrutura social (p. 70, tradução nossa).
Segundo Sawaia (1997, p. 86), pode-se dizer que o objetivo dessa práxis psicossocial é de atuar pela legitimação social dos envolvidos, que pressupõe a legitimidade individual na vida pública e na privada, no sentido de buscar firmar o exercício da autonomia e da criação no espaço coletivo. Ou seja, atua-se pela potencialização das ações individuais e coletivas em prol do bem comum e da felicidade particular.
Um dos impulsionadores das vertentes críticas aos modelos vigentes em Psicologia Social foi Martín-Baró (1998; 1999; 2001), com suas contundentes colocações a respeito da disciplina e do caráter histórico das teorias, do caráter ideológico das práticas dos psicólogos e do ético-político a ser adotado na atuação transformadora. Como exposto por Blanco (1998), Martín-Baró propõe a atuação do psicólogo por meio do compromisso pela emancipação, desideologização e bem-estar, o que configuram a própria libertação. Adotando a idéia de conscientização de Paulo Freire, Martín-Baró (2001, p.169-172) afirma ser este o horizonte primordial do fazer dos psicólogos, trabalhando-se pela desalienação da consciência social. Ao falar sobre a consciência, o autor a descreve da seguinte maneira:
A consciência não é simplesmente o âmbito privado do saber e sentir subjetivo dos indivíduos, mas sobretudo aquele âmbito onde cada pessoa encontra o impacto reflexo de seu ser e de seu fazer em sociedade, onde assume e elabora um saber sobre si mesmo e sobre a realidade que lhe permite ser alguém, ter uma identidade pessoal e social. A consciência é o saber e o não-saber sobre si mesmo, sobre o próprio mundo e sobre os demais, um saber práxicoantes que mental, já que se inscreve na adequação às realidades objetivas de todo comportamento (Martín-Baró, 2001, p.167-8, tradução nossa).
Sendo a consciência um objeto de estudos privilegiado pela Psicologia (e Psicologia Social), como colocado por Martín-Baró, é importante que a consideremos como uma realidade psicossocial, ou seja, um saber dialético das pessoas sobre si mesmas e sobre a coletividade. Nesse sentido, o trabalho de conscientização visa:
a) romper com a alienação, constituída em esquemas fatalistas sustentados ideologicamente, que consideram a maioria popular como indolente, preguiçosa e incapaz de transformar sua realidade;
b) sair da reprodução da relação dominação/submissão;
c) recuperação da memória histórica, para assumir a ligação do passado e presente numa perspectiva de futuro que integrem o pertencimento e as lutas políticas no âmbito pessoal e social.
Dentro dessa perspectiva de atuação comprometida com a realidade, Montero & Martín-Baró (1987) entendem que este campo teórico e metodológico, de processos políticos e de formas de intervenção psicopolítica são, eminentemente, marcantes da Psicologia Política – uma outra vertente da Psicologia Social. A Psicologia Social comunitária latino-americana (ou Psicologia Comunitária, como preferem denominar alguns grupos brasileiros) desenvolveu-se em algumas direções, enquanto a Psicologia Política veio se desenvolvendo por outros caminhos, apesar de haver intersecções dentro das perspectivas atuais em ambas, como lembra Freitas (2001).
Do ponto de vista metodológico, a abordagem da Psicologia Social comunitária não poderia deixar de ser de cunho participativo, uma vez que suas posturas rompem com a neutralidade do pesquisador em relação aos “objetos” de estudo (as pessoas), o que implica a consideração de uma postura ética e política diferenciada do pesquisador. Além do rompimento da neutralidade, há também a intenção de emancipação nas ações que configuram o grau de participação da pesquisa, delineadas em função de acordos firmados junto aos envolvidos na co-construção do conhecimento.
Como vimos até este momento, após a “crise” da Psicologia Social, muitos psicólogos passaram a atuar com base em teorias mais condizentes com a realidade latino-americana. Não obstante já exista produção prático-teórica relevante na área, para Corga (1998) essa vertente não é tratada como “tradição” por ainda não possuir sedimentação paradigmática suficiente, tal qual aquelas citadas anteriormente. Em suma, temos mais estas duas correntes compondo a gama de opções prático-teóricas da Psicologia Social:
E) a Psicologia Social comunitária (ou Psicologia Comunitária), que na América Latina já apresenta produção teórica relevante e expressiva.
F) e a Psicologia Política, que também vem ganhando força no cenário europeu, norte-americano e latino-americano.
5. Outras abordagens em Psicologia Social no Brasil
Apesar da “crise” na Psicologia Social ter conduzido inúmeros psicólogos a explorar novas possibilidades técnico-teóricas, em muitos centros de pesquisa se realizam trabalhos em todas as vertentes citadas acima. Encontramos nos diferentes centros de pós-graduação em Psicologia Social no Brasil investigações dentro das linhas citadas até então. Além delas, é importante mencionar também outras vertentes, estudadas pelos pesquisadores da Psicologia Social no Brasil:
G) a Psicologia Social fundada pelo argentino Enrique Pichon-Rivière (2002, 2003) e seus discípulos, cujos trabalhos são mais conhecidos pela contribuição dos grupos operativos, mas cuja produção teórico-metodológica está de longe restrita a estes.
H) as interfaces entre a Psicologia Social e as leituras da Psicanálise dos fenômenos sociais e aquelas provenientes da Psicanálise de abordagem grupal e institucional, com autores advindos da escola argentina, inglesa e francesa de psicanálise (Castanho, 2005).
I) a Psicologia Social em sua interface com a Psicossociologia, pelas contribuições do movimento institucionalista (sociopsicanálise, psicoterapia institucional, socioanálise e esquizoanálise) (Machado & Roedel, 2001), também com autores argentinos e franceses, e da qual emerge recentemente a Psicologia Social clínica proposta por Barus-Michel (2004).
J) a corrente nomeada como Psicologia Social crítica (ou Psicologia Crítica), que adota discussões de autores marxistas, neomarxistas e da Escola de Frankfurt (Lane, 1981, 2006; Lima, 2010; Monteiro, 2006).
K) as contribuições dos russos A. N. Leontiev, L. S. Vygotsky e A. R. Luria, que dão base às teorizações da Psicologia Sócio-Histórica (Bock, Gonçalves & Furtado, 2004), com contribuições pertinentes às discussões da Psicologia Social, em especial pelo estudo a respeito: da constituição social da subjetividade; da historicidade como noção básica nos processos de formação do sujeito; da consciência e atividade como categorias centrais para compreender o indivíduo/sociedade; da aquisição da linguagem, aprendizagem e socialização como fenômenos do âmbito individual/social.
L) O construcionismo social inaugurado por K. J. Gergen (1973; 2008), afim às teorizações do interacionismo simbólico e teoria psicossocial de G. H. Mead, à fenomenologia social de Alfred Schütz (que combina a fenomenologia de Husserl e a sociologia de Weber) e aos desdobramentos dados por Berger e Luckmann (2008), no difundido “A construção social da realidade”. Atualmente, o construcionismo social ganha força, como indicam Ibañez Gracia (2004), Iñiguez (2004), Mol (2008), Spink e Menegon (2004).
Além, é claro, de muitas outras leituras em Psicologia Social realizadas dentro do contexto da Psicologia e Sociologia contemporâneas, não referidas acima e que recebem o devido valor em seus respectivos centros de estudos, manuais e livros da área. Todas as tradições e correntes teriam, paradoxalmente, um mesmo ponto em comum e de litígio: a relação indivíduo-sociedade. Segundo Corga (1998, p. 240), todas essas abordagens são consideradas como pertencentes à grande disciplina Psicologia Social por tentar estudar o indivíduo psicológico e a sociedade num único objeto, deixando de lado tanto a supremacia do psicologismo quanto do sociologismo, por meio de metodologias quantitativas e qualitativas.
6. Conclusão
Com esta breve exposição e localização da Psicologia Social, vimos que sua crise movimentou a produção de novas abordagens teóricas, metodológicas e políticas. Isso teve repercussão direta sobre a maneira como os psicólogos lidaram com sua formação, produção acadêmica e intervenção na realidade. Neste caminho, passou-se a privilegiar métodos qualitativos em detrimentos dos quantitativos, cujas bases se encontravam sedimentadas na Psicologia Social criticada. Esse mesmo movimento de contestação à ciência realizada por métodos quantitativos também teve sua repercussão, a partir dos anos 1960, em outras ciências humanas e sociais, como descrito por Minayo (2000), num momento em que passam a ganhar credibilidade as pesquisas qualitativas, como formas legítimas de produção do conhecimento.
Atualmente, continuam as discussões a respeito da superação da dicotomia qualitativo/quantitativo dentro das ciências humanas e sociais. Dentro desse movimento, já se fala em triangulação de métodos, como elaborado por Minayo, Assis e Souza (2006), em que se cruzam técnicas vindas de ambas as perspectivas para poder estudar um objeto de vários ângulos e, assim, ter uma visão mais diversificada e completa a respeito de um determinado fenômeno. Do mesmo modo, Álvaro & Garrido (2006) apontam que um dos desafios da Psicologia Social contemporânea é superar tais barreiras e desenvolver pesquisas e intervenções que se utilizem dessa combinação, pois a adequação de cada uma das técnicas de pesquisa empregadas depende da forma com que elas são ajustadas à natureza do objeto de estudo.
Por sua vez, no Brasil, assim como em outros países latino-americanos, a Psicologia Social foi abraçada pelos psicólogos por uma série de fatores. Os motivos não foram ainda devidamente pesquisados e publicados. Podemos dizer que, por questões que transcendem o âmbito meramente teórico, a Psicologia Social no Brasil foi estabelecida dentro dos centros, faculdades, departamentos e institutos de Psicologia. Dito de outro modo, existem fatores não devidamente esclarecidos que contribuíram fortemente para que a Psicologia Social fosse firmada junto à Psicologia. Esse é um interessante tema a ser investigado e que, certamente, receberá o devido mérito na academia por quem o empreender.
Em decorrência dessa história ainda não-contada da introdução das distintas abordagens em Psicologia Social no Brasil em seus respectivos centros, atualmente os cursos de graduação em Psicologia possuem cadeiras de Psicologia Social, sendo considerada por muitos como um ramo da Psicologia. Segundo nosso ponto de vista, tal consideração acontece por: desconhecimento e por motivações políticas. Espera-se que, com este artigo, tenhamos deixado claro nosso posicionamento de que se trata de duas disciplinas distintas, tal como descrevem também Ávaro e Garrido (2006), Corga (1998), Farr (1998), Krüger (1986), Mailhiot (1976) e Stralen (2005), apesar de possuírem nomes semelhantes, muitos pontos de intersecção e serem ministradas dentro dos mesmos centros. Tratamos, tão somente, de fazer uma esquemática apresentação das principais abordagens em Psicologia Social, sendo necessário aprofundamento em cada uma delas para desvendar os campos e objetos de estudo, métodos, teorias, conceitos, pressupostos epistemológicos e ontológicos.
Defendemos que as cadeiras de Psicologia Social deveriam ser ministradas de maneira a esclarecer os alunos a respeito de sua múltipla origem no contexto da diferenciação das ciências sociais das naturais. Clarear, também, as influências recebidas no contexto da Psicologia e da Sociologia, o que gerou uma pluralidade de abordagens teóricas e metodológicas (Álvaro & Garrido, 2006). Localizar o avanço científico de metodologias quantitativas e qualitativas, acompanhado também pela evolução das abordagens na disciplina. Isso viria a facilitar a compreensão dos desafios atuais em Psicologia Social, tanto no que se refere à ampliação teórica decorrente de seu desenvolvimento acadêmico, quanto de um campo de atuação profissional que exige psicólogos capazes de perceber e transformar, para melhor, a realidade social brasileira.
Como cada cadeira depende do grupo de professores que a ministra, o que muitas vezes implica privilegiar apenas um ponto de vista teórico, é importante mostrar quais as raízes epistemológicas da abordagem ensinada e as possíveis interfaces intra e inter-disciplinares. Igualmente, as pesquisas norteadas por abordagens da Psicologia Social deveriam ser guiadas de modo a esclarecer aos estudantes como elas podem contribuir para futuras práticas profissionais. Conectar ensino, pesquisa e extensão na formação que engloba a Psicologia Social é fundamental para a absorção dos ricos conteúdos oferecidos por essa disciplina.
Por fim, resta o questionamento do fazer do psicólogo em sua formação: quais as limitações que os ramos da Psicologia possuem ao lidar com o âmbito social, que merecem reconsiderações segundo as contribuições da Psicologia Social? Por acaso seria melhor uma graduação em Psicologia Social, como ocorre em outros países?
Na esfera das sociedades científicas e instituições representativas da categoria de psicólogos no Brasil, há grupos que vêm questionando a formação de psicólogos sociais por meio de cursos de Psicologia, por entender que deve haver a devida separação entre ambas, no que se refere a: campos de estudo, métodos, conceitos, formação e nichos de atuação. Obviamente, essas disputas ocorrem mais no âmbito político do que acadêmico, o que gera intrigas e discórdias entre grupos dominantes e emergentes no cenário nacional das políticas da Psicologia. Segundo expõe Stralen (2005), a Psicologia Social se constitui como disciplina científica e como campo profissional, apesar de não haver regulamentação no Brasil à atuação do psicólogo social, restando-lhe “se manter incluído na categoria profissional relativamente mais forte: a psicologia” (p. 95). A nosso entender, esse debate deveria ocorrer inicialmente no âmbito acadêmico, ao invés de se restringir ao jogo de forças entre grupos políticos, representados por sociedades científicas e pelos Conselhos.
O ponto central dessas discussões, segundo nosso ponto de vista, não é lutar por mais uma especificidade profissional, mas ampliar a visibilidade das produções em Psicologia Social, tanto no âmbito acadêmico quanto das práticas profissionais. Acreditamos que a formação sólida em Psicologia Social, dentro ou fora das graduações e pós-graduações em Psicologia, podem acrescentar sustância ao fazer de psicólogos (sociais) comprometidos com a transformação social. Esse é o norte a que devemos chegar: uma boa formação, que compreenda o máximo de possibilidades dentro dos domínios da Psicologia Social. Uma vez que se ganhe tal visibilidade, então será o caso de se ponderar uma formação específica a partir dessa disciplina no Brasil.
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1 Livro editado por sua mulher, após seu precoce falecimento. Lewin é o autor que alcunha os termos “dinâmica de grupo” e “action research” (pesquisa-ação).