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O lugar dos sentimentos na ciência do comportamento e na terapia comportamental

Sueli Galego de Carvalho

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Psicologia: Teoria e Prática  (Volume 1/2 - 1999)


 

Este artigo mostra uma breve reflexão acerca da valorização dos sentimentos no contexto da terapia comportamental. Discute-se também algumas considerações gerais sobre as idéias de Skinner a respeito das explicações mentalistas do comportamento humano, procurando-se analisar teoricamente como os eventos “encobertos” têm sua parcela na determinação dos comportamentos expressos.

 

O objetivo deste artigo é o de evidenciar uma breve reflexão conceitual acerca de alguns rótulos inadequados em relação ao trabalho clínico que é desenvolvido sob a abordagem comportamental.

Esperamos que este espaço seja de fácil acesso aos leitores que tenham interesse, ou melhor, curiosidade, em “descobrir” se um terapeuta comportamental possui ou não, em seu consultório, um “liberador de choques” e/ou uma barra que solta pequenas balas de goma, quando adequadamente pressionada.

É muito comum se ouvir que sentimentos e emoções não são considerados pelos comportamentalistas e que estes negam que as pessoas pensam e sentem. Pretendemos que a exposição a seguir contribua para uma melhor compreensão da abordagem comportamental na área clínica.

O papel dos sentimentos e de outros “estados subjetivos” foram tema de grande parte dos escritos de Skinner. O sentimento é um tipo de ação sensorial, como ver ou ouvir (Skinner, 1982). Discriminar aquilo que sentimos e falar sobre isso (sentimentos) são comportamentos aprendidos, produtos da comunidade verbal que nos ensina a descrever o que fazemos, o que pensamos e o que sentimos (Skinner, 1991).

As críticas de Skinner (1982) em relação ao papel dos sentimentos foram direcionadas aos mentalistas dizendo que as explicações mentalistas acalmavam a curiosidade, porém, na verdade nada explicavam . Baum (1999) concordando com Skinner ilustra o seguinte exemplo: suponha que você pergunte a um amigo por que ele comprou um par de sapatos e a resposta seja “comprei por impulso”, ou “comprei porque quis”. Embora essas afirmações soem como explicações, em relação à pergunta, na verdade nada esclarecem. Essas “não explicações” são exemplos de mentalismo em relação ao qual Skinner era contrário. Porém, ele não rejeitou pensamentos e sentimentos. Skinner (1967) critica o uso deconstructos hipotéticos, temendo que especulações sobre processos mentais impedissem a pesquisa de meios práticos de mudança de comportamento (isto é, previsão e controle); receando, ainda, que os cientistas acreditassem que tinham explicado o comportamento quando, na verdade, apenas desenvolveram um constructo.

Uma diferença relacionada entre o caminho científico de Skinner e o de outros é que em vez de desenvolver um constructo, Skinner sempre defendeu a observação sistemática e paciente das contingências ambientais até que se conhecesse o bastante para demonstrar o controle experimental do comportamento.

Na linguagem coloquial, as mais diferentes “coisas” são classificadas como mental - pensamentos, sentimentos, sensações, emoções, alucinações e assim por diante. Mental é um adjetivo derivado de mente. Baum (1999) questiona: o que todas as coisas classificadas como mental têm a ver com a mente? O autor afirma que a noção de mente é problemática para uma ciência do comportamento porque a mente não é um objeto natural. Um cirurgião ao abrir o crânio de uma pessoa, certamente encontrará dentro dele um cérebro. Este poderá ser retirado, manuseado, pesado e medido. Nada disso poderá ser dito de nossa mente... Este debate a respeito de se aceitar ou não “explicações mentalistas” mereceria ampla discussão visando o entendimento profundo da “função da mente” dentro de um processo psicoterapêutico. E até que ponto exatamente os terapeutas comportamentalistas cognitivos não acabam buscando “explicações mentalistas” dentro de suas práticas clínicas. Esta é uma importante discussão que foge da proposta inicial deste artigo e merece um trabalho específico para esse fim.

De acordo com o senso comum, o objeto de estudo de Skinner é o comportamento observável, mas, ao contrário dessa crença popular, pensamentos e sentimentos também foram considerados por Skinner que os denominou de comportamentos encobertos. Estes comportamentos continuam sendo estudados e são objeto de muita análise e discussão entre os comportamentalistas.

Na Psicoterapia Comportamental, que se baseia nos princípios da Análise do comportamento, frases do tipo: “sinto um medo muito grande”/“fiquei feliz por ...” / “estou ansioso...” / “tenho a intuição que...” / “sonhei que ....” são exemplos de relatos acerca de comportamentos encobertos. Tais comportamentos são atividades de um organismo. Pensar, sentir, sonhar, ... são comportamentos, já que o indivíduo emite determinadas respostas em função dos mesmos, e sendo assim não precisam ser considerados e entendidos como eventos mentais.

De acordo com Skinner (1967) o comportamento é uma interação entre indivíduo e ambiente. A unidade básica de análise do comportamento é a contingência de três termos. A formulação das interações entre um organismo e seu meio ambiente para ser adequada, deve sempre especificar:

1) a situação em que a resposta ocorreu;
2) a própria resposta; e
3) as conseqüências de tal resposta.

As relações entre estes três aspectos constituem as contingências de reforço. Analisando-se as contingências da vida do indivíduo, da vida da espécie, e do grupo cultural, podem-se criar condições de discriminação, aprendizagem e ampliação de repertório dos indivíduos. Para os problemas clínicos efetua-se uma análise do comportamento externo e encoberto para identificar as variáveis das quais o comportamento é função. Em seguida, propõem-se intervenções que se supõe sejam de alta probabilidade de provocar mudanças de comportamento.

Hayes (1987) argumenta que como os comportamentos encobertos não podem ser manipulados diretamente, não são vistos como iniciando outras ações, mas podem entrar nas seqüências causais. Skinner (1982) já assinalava que os relatos do mundo interior, o qual é sentido e observado introspectivamente, são pistas: 1) para o comportamento passado e as condições que o afetaram; 2) para o comportamento atual e as condições que o afetam; e 3) para as condições relacionadas com o comportamento futuro.

Em termos de psicoterapia, dada a natureza do contexto, a maioria dos relatos envolvem os comportamentos encobertos. Os clientes freqüentemente vêm com a certeza de que seus problemas são causados por sentimentos, pensamentos, etc, isto é, as pessoas acreditam que os comportamentos encobertos são as causas de seus problemas. Assim, uma das principais metas do terapeuta comportamental é conseguir levar seus clientes a perceber e identificar como seus comportamentos encobertos são apenas um dos elos da contingência tríplice a ser analisada e como eles se relacionam a outros eventos do mundo interno e externo.

A competência do terapeuta deve proporcionar a criação de condições para a discriminação das contingências que controlam os comportamentos, pois é a condição básica para a eficácia do processo terapêutico. Assim, o terapeuta é um facilitador que sinaliza as contingências do comportamento de seu cliente permitindo que este se torne um observador mais acurado de seu próprio comportamento, já que os comportamentos encobertos são menos acessíveis e geralmente ficam sob controle de contingências freqüentemente desconhecidas pelos indivíduos. A partir do momento que adquire esta habilidade, o indivíduo estará mais apto para decidir se quer ou não modificar seu comportamento.

Lettner e Rangé (1988) afirmam que parte da sintomatologia de um paciente pode ser atribuída à incompreensão do que lhe acontece. Lipp (1995) defende ser fundamental, seja como compromisso ético, seja como elemento de vínculo terapêutico, seja como respeito a seus direitos como cidadão e cliente, seja como já parte do processo de mudança, uma explicação detalhada da lógica da Terapia Comportamental Cognitiva e da compreensão possível, até o momento, da problemática trazida pelo paciente. A terapia baseia-se na idéia de que pensamentos podem gerar os sentimentos e os comportamentos que constituem a queixa do paciente. Rangé (1995) atesta ser a identificação desses pensamentos durante a sessão um ponto crucial para uma adequada demonstração das distorções cognitivas em ocorrência. Fazendo com que o paciente, para aliviar seu sofrimento, aprenda a detectar por si mesmo os pensamentos e os sentimentos como um primeiro passo para também aprender a manejá-los e compreender como se relacionam mutuamente para produzir um  determinado comportamento.

Finalizando, apesar do tema merecer uma discussão mais detalhada e profunda, esperamos que o conteúdo exposto tenha evidenciado a importância dos sentimentos no processo psicoterapêutico comportamental. Os clientes/pacientes que se submetem a uma terapia  comportamental se comunicam e se relacionam com seus terapeutas da mesma forma que os clientes de qualquer outra abordagem: se alegram, se entristecem, ficam com raiva, contam sonhos, ficam em silêncio, etc... Delitti (1993:45) define: “ o terapeuta comportamental é um decifrador de códigos, um pesquisador em busca de hipóteses”. E principalmente um ser humano sensível ao “sofrimento” de seu cliente/paciente, que como qualquer outro terapeuta, busca explicações e procedimentos sempre visando a melhoria da qualidade de “vida psicológica” do indivíduo que está sob seus cuidados.

 
Referências Bibliográficas

BAUM, W.M. (1999) Compreender o Behaviorismo: ciência, comportamento e cultura.Porto Alegre: Artes Médicas.

DELITTI, M. (1993) O Uso de encobertos na terapia comportamental. Temas em Psicologia. No. 2.

HAYES, S.C. (1987) A contextual approach to therapeutic change. In N. JACOBSON. Psychotherapist in Clinical Practice: Cognitive and
Behavior Perspectives. New York: Guilford.

LETTNER, H. & RANGÉ, B. (1988) Manual de Psicoterapia Comportamental. São Paulo: Manole.

LIPP, M.N. (1995) Ética e Psicologia Comportamental. In RANGÉ, B. Psicoterapia Comportamental Cognitiva. São Paulo: Editorial Psy.

SKINNER, B.F. (1967) Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.

SKINNER, B.F.(1982) Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix.

SKINNER, B.F. (1991) Questões recentes na Análise do Comportamento. Campinas: Papirus.