Algumas vezes, os pais não conseguem dar a devida atenção ao sofrimento dos filhos, porque estão, eles mesmos, muito mobilizados pelo próprio sofrimento - passando por situação de ruptura, dor ou raiva. Mesmo assim, as mudanças na organização familiar diante da separação ou divórcio não podem ser subestimadas.
Os pais precisam ventilar os afetos entre si, exprimir suas desavenças, confessar o fracasso até amadurecer a decisão do divórcio. Colocar em palavras para não explodir em humores, depressivos ou excitados, é tarefa difícil, mas não impossível. As explosões emocionais e o conflito permanente dos pais abalam o sentimento de segurança da criança. A responsabilidade pela decisão de separar deve superar as queixas passionais. Se esse processo for bem digerido entre os pais, é possível que encontrem as palavras adequadas para expressar à criança a decisão. Não precisam nem devem explicar os motivos para justificar a culpa.
A grande maioria das crianças percebe o desentendimento entre os pais. Algumas até perguntam se eles irão se separar. É essencial que os filhos sejam avisados do que está acontecendo, desde o início do processo judicial, e do que ficará decidido, mesmo quando a criança é bem pequena. Falar de forma clara acerca das decisões tomadas pelos pais e homologadas ou impostas pelo juiz é muito importante.
O divórcio é um estado civil tão honroso quanto o casamento, no entanto, o silêncio em torno dele, o faz parecer sujo, feio e vergonhoso. Quando a separação é vivida dessa forma pelos pais é, também, transmitida para criança, que poderá vivê-la com o teor de imoralidade.
É responsabilidade dos pais conduzir esse processo de forma a garantir para os filhos que os cuidados continuarão após o fim do casamento.
Muitos pais acreditam que os filhos não podem saber a verdade, porque não conseguem aguentar ou compreender o divórcio. O saber adquirido pela psicanálise sobre a vida psíquica das crianças desmente essa afirmação. A grande queixa dos adolescentes que enfrentaram o divórcio dos pais é não terem sido informados sobre a separação e sobre as consequências dela em suas vidas. Excluí-los do processo transforma a situação dolorosa em situação traumática.
Luciana Saddi é psicanalista, membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise (SP), mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP e autora dos livros de ficção O amor leva a um liquidificador (Ed. Casa do Psicólogo) e Perpétuo Socorro (Ed. Jaboticaba). Assinou por mais de dois anos a coluna Fale com Ela na "Revista da Folha", do jornal Folha de São Paulo. Representante do Endangered Bodies no Brasil.
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